Das histórias nascem histórias

Das histórias nascem histórias
um poema visual de Fernanda Fragateiro

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

natal





O A. passou os dois primeiros dias de férias a fazer com que o natal fosse mais doce.
A máquina de costura ajudou.
E o natal foi em grande. (e o blogger continua a rodar fotografias quando lhe dá na bolha!)

domingo, 11 de dezembro de 2011

entre o escuro, as sombras

Ontem, pela primeira vez nos cinco anos de experiência de vida do F., faltou a luz cá em casa durante perto de uma hora.
Já era de noite lá fora e o apagão foi geral.
Depois do medo, veio o fascínio de descobrir nas paredes as sombras que as muitas velas que espalhámos pela sala projectavam.
Tantos objectos que nos são familiares e de que não conhecíamos a sombra!
Mas o F. estava preocupado com os manos, que tinham ido ao cinema com os tios. E perante a hipótese do tio, que já tinha luz no prédio dele aqui mesmo em frente, de a nossa ser uma situação mais grave, não hesitou em desabafar:
- A nossa deve ser uma avariação mais estragada, mãe!
Enqunto ele falar assim eu vou gostar muito. Porque ter um Mia Couto em casa não é para todos... nem para sempre, infelizmente!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

a cozinha



O F. fez cinco anos e dei-lhe uma cozinha.
Não só a cozinha, mas tudo o resto em volta. Ou seja, o quarto novo todo só para ele, para poder brincar sem ter de arrumar caixotes antes de ir para a cama.
Foi bom! Foi muito bom!
Aliás, é sempre muito bom!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

a porta


Cá em casa não entra caixa de cartão que não viva uma experiência radical antes de ir para a reciclagem.
Depois do cavalo, que o F. serrrou em bocados no sábado, uma porta.
Claro que temos todos, até ele, de nos baixar para a atravessar.
Fica sempre aquela sensação de termos sido convertidos em gatos... mas não deixa de ser divertido!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

perguntas difíceis

Seis e meia da manhã. Entre uma caneca de leite e um biscoito, ainda no calorzinho do édredon, o F. dispara aquela que será, certamente, a primeira das inúmeras perguntas difíceis a que terei de responder no futuro:
- Mãe, o que é o tempo?
E não adianta fugir com o rabo à seringa:
- Qual tempo?
- Aquele que está dentro do relógio e tem aqueles tracinhos.
Bom, o tempo... o tempo, pensei com os meus botões, o tempo é assim uma espécie de escada rolante em que nos põem logo que nascemos e depois a nossa habilidade é subir ou descer quando nos dá mais jeito e, de vez em quando, deixarmo-nos levar sem nos mexermos.
Felizmente, o F. adormeceu enquanto eu pensava nesta resposta.
Para a próxima vou tê-la na ponta da língua!
Apanhei-o!

sábado, 5 de novembro de 2011

os piores momentos

Ter dez anos é assim como ser grande e pequenino ao mesmo tempo.
Mas, de repente, o grande torna-se grande, enorme, avassalador. Pela maturidade.
O V. contava-nos ontem que os seus dois piores momentos na escolinha, no 1º ciclo, tinham sido quando a J. lhe tinha amarrado os pés com uma corda (porque ele não parava de saltar!) e quando tinha sabido que a J. estava com cancro.
É desta maneira que os laços entre as pessoas se transformam em nós. Umas vezes nos pés, outras na garganta.
A junção destes dois momentos, na mesma pessoa, pareceu-me, a mim, inequívoca de que o V. está mesmo a crescer. Para não dizer mesmo crescido.
E é bom vê-los crescer assim. Bem.

sábado, 22 de outubro de 2011

a caixa táxi

O meu pai tem um amigo de infância, alemão, com quem mantém contacto desde sempre e, provavelmente, até sempre.
O G. é, para mim, que o conheço mais das narrativas do meu pai do que pessoalmente, mais que uma pessoa. É assim uma espécie de personagem da história da nossa família.
Durante o pós guerra, a mãe do G. tomava semanalmente chá com as amigas alemãs e, rotativamente, em casa de cada uma, havia também uma das senhoras que rotativamente oferecia uma caixa de bombons à anfitriã.
Um dia, chegou a vez da mãe do G. receber as amigas em sua casa e receber a dita caixa de bombons.
Mais tarde, a mãe do G. ganhou coragem e confessou a uma das amigas, em quem depositava maior confiança, que ao abrir a caixa verificara que os bombons estavam estragados, claramente muito para lá do prazo de validade e bom estado de conservação.
Exclamação da amiga:
- E tu abriste?
É que, ao que parece, a caixa circulava, de casa em casa, de mão em mão, sem nunca ser aberta.
Era uma caixa táxi, como lhe chamou o G.
É uma história bonita, não é?

domingo, 16 de outubro de 2011

caixas


As caixas servem para quase tudo.
E, como os gatos, têm sete vidas.
Estas começaram por acomodar os candeeiros novos cá de casa e, ainda antes de se acenderem as luzes, já estavam transformadas em cavalo.
A felicidade do cavaleiro fica escondida pela sua identidade secreta, mas posso assegurar que se sentia no mínimo um D. Quixote, pronto a enfrentar gigantes.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

guloseimas


Hoje é mais a propósito de aulas, mesmo.
Sobre a aula de hoje, do 6º ano, em que dei aos meus alunos uma guloseima.
O conhecimento é assim como a sopa, o conduto, arroz com massa e feijão, carne com batatas.
As curiosidades são as guloseimas do conhecimento.
E eles gostam, claro!
A propósito da luz e da cor, do preto e do branco e do que lhe anda pelo meio, acinzentando, falei de um dos livros que trago sempre comigo, no bolso da memória: A ilha sem cor, de Oliver Sacks.
Um bestseller, se eu fosse directora de marketing da minha profissão.
Meninos e meninas de onze anos a suplicarem que lhes contasse a história toda?
E o deficiente da turma a jurar que até ia descobrir no Google qual era a ilha?
Verdad!
Se a escola não está a dar é porque alguém se esqueceu das guloseimas.
Digo eu.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

em olhos


O F. está quase com cinco anos, mas tenho por hábito pegar-lhe ao colo quando o vou buscar à escolinha para podermos falar, sem que ele tenha de olhar para cima e eu para baixo.
Ontem, porque fui buscá-lo com o A., as coisas não foram assim e ao final da tarde, estendeu-me os braços e disse:
- Hoje ainda não falámos em olhos!
Ergui-o para o meu colo e de olhos nos olhos trocámos algumas palavras de afecto para depois nos atirarmos para cima da cama e jogarmos jogos com a boca.
É que depois de um dia de trabalho e calor já não dava mesmo para mexer mais nada. Só a boca e mal!

sábado, 1 de outubro de 2011

gays e vegetarianos


Aqui há uns seis meses atrás, numa conversa a caminho da escola, no banco de trás do meu carro, começou uma conversa muito preconceituosa em relação a pessoas com opções sexuais diferentes das nossas (das minhas, para já, neste caso!). A coisa já se vinha a arrastar há uns tempos e os manos mais velhos estavam a começar a passar a barreira do razoável e o mais pequeno estava em risco sério de contágio, aos quatro anos.
Resolvi cortar a direito e dizer-lhes que temos um amigo gay de quem eles gostam muitíssimo e que nem suspeitam das opções sexuais dele.
Quando proferi o nome dele, ouviu-se um PUM! sonoro no chassi do carro. Dois queixos tinham caído, de bocas escancaradas, que expiravam almas incrédulas perante a revelação.
Depois, recompuseram-se aos poucos, fazendo uma espécie de análise comportamental do estereótipo gay e do nosso amigo. E os preconceitos terminaram exactamente ali, naquele dia, naquele momento.
Agora, o V. o mais que faz é tentar perceber como é que se detecta e, de vez em quando, tenta comparações e interroga-me sobre a fiabilidade das suas percepções. Normalmente não acerta (até porque, tanto quanto sei, só temos um amigo gay!).
Mas o que é verdadeiramente extrordinário é que assumiu uma espécie de classificação de Lineu para os homossexuais e geralmente apresenta-a à mesa, no meio dos imprompérios contra a sopa de legumes:
- Ser gay é como ser vegetariano!
E depois desanca nos pais de uns colegas de escola que os obrigam a ser vegetarianos:
- É que o R. até gosta de peixe, mãe! ele já provou, mas os pais não o deixam comer!
Bom, um ponto de vista é sempre um ponto de vista e qualquer ponto de vista, pelo menos aos nove anos, é legítimo. Digo eu...

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

depilação higiénica


Não sei como é nas casas com meninas, mas aqui os meus rapazes sempre souberam de tudo.
O A. fez várias vezes instalações dignas de prémios internacionais com pensos higiénicos e o V. nunca se obstou de comentar o meu bigode de creme descolorante.
Ontem, o F. também se revelou já completamente ao nível das práticas femininas, com grande astúcia.
Sentando no balcão da casa de banho, tirou a proteção de um penso higiénico diário carefree (passe a publicidade) e aplicou-o sobre a canela, de cima para baixo como mandam as instruções (não dos pensos, claro!):
- Posso tirar os pêlos, mãe?
Claro, pois então? Haverá método mais higiénico?
E num gesto eficaz e quase profissional, arrancou com rapidez o dito penso, de baixo para cima, como manda a lei, estampando-se-lhe um sorriso na cara.
Apesar de tudo, a semelhança entre uma banda de cera depilatória e um penso higiénico não é pura coincidência!

sábado, 17 de setembro de 2011

humor em 180º

Que o sentido de humor é uma forma superior de inteligência é um lugar comum.
Mas que aos quatro anos o F. ponha o irmão de doze de rastos com uma piada subtil, deixou-me a pensar.
Foi assim: o F. desenhou o A. a saltar de um prédio e chamou-o:
- A., olha que forte tu, a saltares de um prédio!


O A., que se derrete com estas coisas queridas do irmão pequenino, ficou feliz. Só que o F. não se ficou por ali.
Rodou o desenho 180º graus e declarou:
- Viste? Caíste de cabeça no chão!


O A. ficou tão triste que me veio contar isto com a dor de quem é gozado por pouco mais de um metro de pessoa.
Eu, por mim, derreti-me. Pelos dois.

domingo, 11 de setembro de 2011

suspiros


A equipa dos pequeninos, na escolinha, mudou. E , a nós, adultos, este tipo de mudanças custa-nos, invariavelmente
Mas como o F. já sabe e gosta de cantar como o Zé Mário (Branco)
E se todo o mundo é composto de mudança
Troquemos-lhe as voltas qu'inda o dia é uma criança
Os miúdos são mil vezes mais plásticos do que nós, adultos empedrenidos, e resumiu a mudança numa única frase que disse à C., professora do 1º ano, com quem tem uma muito especial empatia.
- C,. eu gosto muito de ti, mas pela E. suspiro!
E é verdade, ou não o tivéssemos, eu e os manos, ouvido suspirar ao ver a E. a atravessar a rua, nesse mesmo dia, pela manhã!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

pensando melhor...


... prefiro os rapazes!
Domingo passámos a tarde em casa de uns tios para os manos conhecerem aqueles primos que já sabem que existem mas com quem nunca se encontraram.
Foi uma tarde inesquecível!
A M., que tem 3 anos mas o mesmo metro de comprimento que o F., está naquela fase obsessiva das princesas. Com um par de sapatos às bolinhas da avó não descansou enquanto não brinquei com ela à Cinderela. Sim, porque o F. não se mete nessas coisas!!!
Aliás, fez questão de deixar claro que não gostava dela, que a achava feiosa e que não estava mesmo para aturar meninas.
Só conseguimos que brincassem juntos na relva, com uma bola, o que valeu ao F. uma placagem daquelas de o deixar imobilizado no chão a reclamar para si próprio "Esta gaja!" (pois é, com quatro anos já fala assim, nada a fazer!) e, depois, com a avó às escondidas porque se meteram todos no guarda-vestido e, claro, foi uma festa.
Ah, e mesmo na hora de ir embora, pintaram juntos uma pobre boneca que ficou com ar de zombie. Mas foi mais o gozo da borradela do que interacção entre os dois!
A M. é um verdadeiro postal ilustrado, mas devo ser eu que já estou demasiado habituada a rapazes, porque... a verdade é que me aborreci um bocadinho por ter de brincar à Cinderela!

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

deixem-me brincar com meninas!


Cobras...
Cobras em frascos com álcool.
Cobras dissecadas, com a pele esticada com alfinetes, ao sol, a secar.
Cobras em frasco, sem álcool, com nome, fofinhas, dizem eles, no colo, à noite, na cama, a tampa um bocadinho aberta para entrar ar.
Cobras em terrários improvisados (obrigada, Hugo!).
Cobras...
Os manos (até o F.!) e o nosso grande pequeno amigo M. divertiram-se muito, nestes últimos dias de férias.
Mas eu...
Eu estou a precisar muito muito de brincar com meninas!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

os manos


Os manos voltaram! E o F. recebeu-os com abraços, beijos e uma defensiva estratégica contra quaiquer ataques adultos.
Foi bonito vê-los, dois a dois, a reencontrarem-se nos mimos, nas cumplicidades, nas brincadeiras... na brigas, nos ciúmes...
Enfim, bonito mesmo foi ver como apesar do F. declarar de cima dos seus quatro anos que estava no bem bom sem ter que aturar os manos afinal sentia tantas saudades deles.
Bonito mesmo foi voltar o barulho, a confusão e, finalmente, a paz, quando os três adormecem.
Como dizia o N. numa velha crónica de Pai Galinha, há qualquer coisa de profundamente qualquer coisa no modo como olhamos para os nossos filhos e achamos que eles são lindos quando dormem: é que a tranquilidade do seu sono é o garante final da nossa tranquilidade!

domingo, 21 de agosto de 2011

sombreanas


No mimo do amanhecer lento, o F. percorre-me infinitas vezes o rosto como quem desenha.
O seu indicador pequenino traça-me um sobrancelha. Depois a outra.
- Tens duas sombreanas...
Pois tenho. Sombreanas são assim uma espécie de sobrancelhas e pestanas, ou então simplesmente os traços que o meu filho me faz sobre os olhos para mos proteger da poeira visível aos primeiros raios de sol de mais um dia de férias.
É nestas intimidades que se apertam os laços entre nós.
Enquanto os irmãos lançam amarras noutros portos de afecto.
Obrigada, tios!

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

o tempo imenso


As férias são este momento em que o tempo é imenso. Imenso para tudo, até para uma ida aos correios.
Da primeira vez, há uma semana atrás, o F., do meu colo, quando ouviu a D. Helena (chefe e funcionária única da estação de correios de Moledo) dar uma pancada vigorosa numa carta que acabara de lhe ser entregue, declarou, com ar de espanto:
- Mãe, ela tem um martelo!
Não era um martelo. Era o carimbo que, não sei por que razão, de facto, nas estações de correios e repartições públicas várias, as pessoas arremessam como martelos sobre os nossos documentos ou sobrescritos.
Começou aí o jogo de sedução entre o F. e a D. Helena. Ela achou-lhe graça. Ele achou-a... fascinante, provavelmente.
Hoje, numa nova visita, o F. e a D. Helena não só conversaram imenso, (o F. deitado sobre o balcão com a cabeça enfiada na secretária) como o F. colou o registo na minha correspondência, arrumou moedas, desformatou o computador (não foi exactamente desformatar, mas quase!) e aceitou o convite retórico da D. Helena para ficar a trabalhar com ela.
O s correios, as cartas, os selos, os envelopes, os carimbos e, finalmente, aquele pum! no fundo do marco continuam revestidos da mesma aura de mistério e fascínio que sempre tiveram. A literatura nunca vai esquecer-se deles. Eu e o F. também não. Pelo menos, enquanto houver férias. Isto é, enquanto houver um tempo imenso para saborear as coisas boas da vida.

sábado, 6 de agosto de 2011

traças


De manhã, ainda entre o fresquinho do édredon, o F. examina os arranhões no meu nariz, que uma falhada tentativa de atravessar uma porta de vidro me provocou.
- Tens três arranhões, mãe!
E depois continua a prospecção epidérmica:
- E aqui tens buracos... deves ter traças!
Traças?!!!!
Lá que o tempo vai passando por mim, tudo bem, já me conformei, agora traças?
Será que há cremes anti-traça, para mulheres felizes como eu?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

férias


O primeiro dia de férias sabe bem. Mesmo ainda na cidade.
O calor recua para nos deixar passar e eu e o F. brincamos o dia inteiro.
Cavaleiros e feiras medievais, de manhã. Pintura, antes do almoço.
Restaurantes, com o café. Legos, ao lanche. Desenhos, com o sono a puxar o corpo para o sofá
E um pouco de desenhos animados para terminar.
Fazem-nos falta os manos. Ao F. para jogar aqueles jogos na televisão em que já lhes ganhou.
A mim para serem mais dois a mimarem-me!
O silêncio nem sempre é de ouro...

sexta-feira, 15 de julho de 2011

ainda as cores


O F. está a fazer desenhos e vai rebolando entre o balde dos lápis e o papel.
Com dois lápis sobre a barriga, pergunta:
- Qual é mais escuro, mãe, o preto ou o azul escuro?
- Talvez o preto...
- Mas o azul escuro também é muito escuro, não é?
- Sim...
- Mais escuro do que o preto...
- Talvez..
- São os dois escuros, não é?
- Sim...
- Os dois escondem...
Vira-se e começa a pintar com o lápis preto sobre uma parte vermelha do desenho feito.
- Vês? Esconde...
A seguir faz o mesmo com o lápis azul escuro sobre outra parte do desenho.
- Este também esconde...
Pois, dir-se-ia que são cores esconditivas!

domingo, 10 de julho de 2011

cor de pele


Quando os alunos me pedem para os ensinar a fazer cor de pele para pintar, costumo perguntar:
- Pele de quem?
O F. hoje de manhã, nos miminhos dos lençóis, colocou a questão com a perspicácia que o vem caracterizando nos últimos tempos:
- Mãe, de que cor é a nossa pele? Não é branca, pois não?
- Não. Branca não.
- É estranparente? Cinzenta?
- Transparente e cinzenta... acho que também não...
- Então de que cor é?
- É... uma cor assim esquisita... tipo cor de burro quando foge.
O F. ri-se.
- Nós dizemos que somos brancos mas não somos, F.. A T. também não é preta, é castanha.
- Mas o pai da Tita é preto!
- Isso é verdade... mas nem todos os pretos são pretos. Nós também não somos brancos.
A propóstio, de que cor somos nós, os brancos? Cor de rosa, como no novo acordo ortográfico? Ou cor de laranja? E porque não cor de porco ou cor de tangerina? Assim como assim, vamos ficar de uma cor sem hífen... Como a couve flor!

sábado, 9 de julho de 2011

do outro lado do espelho


O F. passou ontem para o outro lado do espelho.
Antes de ir par a cama, olhou para as nossas imagens no espelho da casa de banho e perguntou:
- Nós vemos ela. E ela vê a nós?
- A imagem do espelho?
- Sim, ela vê-nos?
- Não sei.. acho que não... (a idade estraga-nos o cérebro, decididamente)
- Vê, vê. Ela vê-te. Olha. Vês está a olhar para ti!
- Pois vê! Claro que vê!
- Claro!
Ainda bem que ele conseguiu que eu passasse também para o lado de lá.
Estou mesmo a precisar de voltar a praticar e recomeçar a pensar seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço, todos os dias!

sexta-feira, 8 de julho de 2011

o sítio das coisas selvagens


Quando esteve no cinema, não conseguimos ir ver o filme. Sou sempre muito lenta a decidir-me em entrar num shopping para ver cinema (mas tenho sido capaz de acelerar bastante nos últimos tempos!).
Há dias, não resiti a comprar o DVD. E ainda bem.
Ao contrário da minha doce E., não fiquei nada decepcionada. Pelo contrrário. Apaixonei-me pelo Max, pelo Carol, pela KW e por todos os outros. (O Tim Burton não conseguiu isso com a Alice!)
O F. já viu o filme três. Os manos também. Só eu ainda não consegui ver-lhe o fim.
Mas um dia destes, quando eles já estiverem os três a murmurar sonhos, vou pôr sentar-me no sofá e ver o filme do princípio ao fim. Como se fosse no cinema!

quarta-feira, 6 de julho de 2011

o meu pai


Nem sempre a vida dos casais corre como se desejou, como se planeou, como se sonhou.
O importante é haver sentimentos fortes entre duas pessoas que geraram, neste caso, outras três pessoas.
O fundamental é as duas pessoas estarem eternamente unidas no bem-estar e na felicidade das outras três pessoas.
É por isso que a única coisa que conta é eles continuarem a dizer, agora e sempre:
- O MEU PAI É ÓPTIMO!
E não deixarem de ter um Pê de Pai, dê por onde der.

terça-feira, 5 de julho de 2011

os "meninos"


Os manos, nome por que são conhecidos cá em casa o F. e o V., voltaram a juntar-se no quarto onde moraram até o F. precisar de sair do quarto dos pais.
Quando o A. passou para o 2º Ciclo, o quarto de brinquedos, depois escritorinho, como eles gostavam de lhe chamar, passou a ser o quarto do A., o grande, e o V. passou a partilhar o quarto com o F.
Agora que o F. fica nos Gambozinos e os manos se juntam na escola básica/secundária, o F. ganhou direito a um quarto só para ele.
O fim-de-semana foi simplesmente alucinante, com as mudanças. Não porque os meus filhos tenham muita roupa ou muitos brinquedos, mas porque têm uma gigantesca biblioteca!
Mas, hoje é terça-feira e já só há uns restos de tralha para arrumar. Eles ajudaram imenso!
Desde sábado (dia em que dormiram a primeira noite nos quartos novos), coincidência ou não, o F. trata os manos, não por manos ou irmãos, como era seu costume, mas por meninos.
Anteontem, por exemplo, chegou a casa, vindo de casa dos avós, com uma garrafinha termos na mão e disparou, ainda do átrio:
- Meninos, meninos, vocês vão ficar furiosos! A avó deu-me uma garrafa que a água fica fria! É só para mim, não é para vocês, meninos!
O A. e o V. não sabem se hão-de rir ou de chorar...
- Francamente, mãe, chamar-nos meninos!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

a flauta mágica


Comecei a tocar piano aos sete, flauta de bisel aos dez e flauta transversal aos doze.
Aos dezassete estudava quatro horas por dia, lia as partituras todas que encontrava, acompanhava os discos todos que comprava.
Depois entrei para o ensino superior, depois comecei a dar aulas, depois apaixonei-me e daí para a frente a flauta passou a ser aquilo que eu deveria ter continuado a estudar mas nunca tinha tempo.
Finalmente, agora, com três filhos, tenho tempo para aprender a tocar. Não para ler partituras, para acompanhar discos, mas para aprender a tocar como gente grande.
O meu professor é dezassete anos mais novo que eu e, pelo menos, dezassete anos mais sábio que eu na arte de fazer música com um tubo metálico cheio de buracos e tampas.
Ontem estivemos uma hora e meia a jogar o jogo que ele me tenta ensinar há mais de nove meses: chama-se "onde está o diafragma" (que é assim uma espécie da caça aos gambozinos!). É um jogo muito difícil de jogar. Para mim, que cada vez mais me convenço de que me tiraram o diafragma numa das três cesarianas que me fizeram, e, para ele, que não percebe como é possível viver sem uma membrana vital (vital para um flautista, entenda-se!).
Em nove meses ainda não consegui encontrar o meu diafragma, mas decididamente encontrei o mais persistente caçador de diafragmas do mundo!
E ainda por cima toca como Rampal, Galway e Fromanger todos juntos (além dos outros, claro!) .
É caso para dizer: ele há gajos do caraças!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

a reversibilidade do tempo


O F. já não diz amanhã fui, mas a reversibilidade do tempo ainda é uma possibilidade real.
Além de me prometer sucessivamente que depois de fazer 5 anos vai voltar a ser bebé, porque quer muito voltar a ser bebé, o F. tem um tempo mental (e provavelmente emocional) muito diferente do nosso (e que sorte a dele!).
Ontem, foi cortar o cabelo. O F. adora cortar o cabelo e é um gozo vê-lo a olhar-se no espelho enquanto a tesoura faz tchc, tchc.
Hoje de manhã, enquanto ainda se ouvia o chhhhh do chichi da noite a escorregar na sanita, perguntou-me:
- Ainda estou com o cabelo cortado?
Claro!
- Deixa ver...
Com uma mão enfiou a pilinha dentro dos calções do pijama, trepou para cima da tampa da sanita, fechada já com a outra mão, e olhou-se no espelho:
- G'anda cena!!!
O tempo é, de facto, uma coisa extraordinária,
Ou, como ele próprio diria, uma g'anda cena!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

pina


Ontem fui ao cinema.
E durante 103 minutos deixei-me invadir pela densidade das imagens.
O meu corpo estremeceu por diversas vezes e, tal como os corpos na tela, senti que as emoções nos percorrem da ponta dos dedos das mãos à ponta dos dedos dos pés.
Fiquei com a pergunta de Pina a latejar no corpo. E ando, desde ontem, à procura da resposta.
O que anseio eu?
E a única resposta que encontro em mim é: dançar.
Dançar a dança da vida, em todas as idades.
Na Primavera, no Verão, no Outono, no Inverno.
Todos os dias.
Dançar.
Até que do corpo só me reste a essência.

domingo, 5 de junho de 2011

do sentido e das palavras


O F. começou a aprender na escolinha a canção que a Suzana e a Regina escreveram para a época.
Só que as palavras têm que ganhar sentido quando são cantadas e por isso o F. canta assim:

"Santos que estais no Algarve,
Cuidai das vossas ovelhas
Das novas porque são novas
das velhas porque são velhas"

E por aí fora.
Claro que mesmo a Regina que é capaz de muita coisa, não se lembrou de pôr os santos no Algarve.
mas por mais que expliquemos ao F. o que é o altar ele continua na dele e lá manda as santidades para o reino dos Algarves. Faz sentido!
Reconhe Pedro, o mais sisudo, António, o casamenteiro, e João, menino que é pastor, mas adiante para os Algarves.
E siga a rusga!

sábado, 28 de maio de 2011

o primeiro gomo da tangerina


Quando se tem três filhos, o primeiro gomo da tangerina acontece infinitas vezes.
As tangerinas são tantas, os gomos infindáveis, e os gestos sempre sábios.
O v. foi ontem, pela primeira vez, à casa da música ver/ouvir a orquestra sinfónica tocar mozart.
O a. foi pela segunda vez (ainda que a primeira se lhe tenha diluído na memória) ver/ouvir os stomp no coliseu.
O f. ficou em casa, pela primeira vez (porque nisto é sempre a primeira vez!), com a mãe só para ele.
Eu comecei a ler caim (como se nota pela ausência de maiúsculas).
E o pai foi para a cama, muito muito cedo, pela primeira vez com a alma cheia de nós.
Porque na noite anterior tivemos uma longa e profunda conversa a cinco (sim que o f. também ouve, embora nem sempre fale) sobre a vida, a morte, os pontos de vista e experiências pessoais.
Os manos ficaram a perceber que nisto da vida não há que tomar partidos.
No fundo, o sumo e o rumo da vida.
Num beijo.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

o segredo da sanduíche


O V. é o recheio da sanduíche de irmãos. Claro que nas sanduíches o sabor também vem da qualidade do pão, é certo. Mas pão sem recheio não é, por definição, sanduíche.
Sem ele, a fratria não tinha graça. A tríada não era tríada, era díada.
E as relações a três são infinitamente mais ricas que as relações a dois, já lá explicava George Simmel (e eu, por minha vez, na minha tese de doutoramento!).
Mas, ser o irmão do meio, com tudo o que isso tem de música para os nossos ouvidos (viva o Sérgio!)  como dizia a M., que é prima deles, quando tinha quatro anos "deve ser um bocado apertado". E é, de facto!
O F. parece uma ventosa. Basta ver-me e cola-se-me à existência sem intervalos.
O A. basta não ter mais nada de interessante para fazer e suga-me a existência com programas de terapia ocupacional intensiva, que incluem infalivelmente trabalhos para a escola, projectos de mil coisas que quer fazer ou saídas inopinadas para concretizar essas coisas.
No meio (literalmente) disto está o V., que parece uma daquelas existências mágicas, pairando tranquilidade (até ao momento da fúria!) entre nós, com arremessos de provocação, humor e barulho (muito barulho, porque canta desalmadamente, batuca cruelmente em qualquer superfície dura e engoliu, de certeza, um disco do Bob McFerry - aquele que desapareceu há uns meses!).
O V. é uma caixa de surpresas. Mas daquelas sem chave. Não se arranca nada dele. Só muito de vez em quando sai de lá um suspiro de ar cujo aroma me cabe decifrar: angústia, medo, ciúme, insegurança, revolta...
Ontem, depois de chegarem de um fim-de-semana cultural com os avós, surpreendentemente, abriu-se momentaneamente a tampa da caixa.
- Tive saudades tuas, mãe!
E quase me vieram as lágrimas aos olhos...  porque às vezes é difícil lembrarmo-nos que o V. tem sentimentos como os nossos!

sexta-feira, 20 de maio de 2011

comparativo de igualdade superior

O V. e o F. estão com uma relação de companheirismo muito divertida.
Há dias, no carro, os dois no banco de trás, o V. segredava coisas ao F. e dizia-lhe para repetir.
- Diz, eu sou analfabeto!
- Eu sou alfabeto! - repetia o o F.
- Agora diz, eu sou fixe como o V.
E o F., do alto da sua sabedoria, depois de pensar dez segundos:
- Se eu fosse tão fixe como o V. era mais fixe que o V.!
A isto chama-se a "grau comparativo de igualdade superior"!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

crescer e descrescer


Há dois dias que o o F. insiste.
- Posso fazer anos hoje?
É difícil explicar que não podemos fazer anos quando queremos, sem ser mal interpretada.
- Não, F., só podes fazer anos no dia em que nasceste.
- Mas eu já nasci!
- Pois, F., mas é no dia 4 de Dezembro que fazes anos.
- E não posso fazer hoje?
- Não...
-Então posso fazer cinco anos e depois ser bebé?
- Afinal queres crescer ou ser bebé?
- Quero fazer cinco anos e depois ser bebé!
Eu  também quero. Como a Ana quer.

A Ana Quer

A Ana quer
nunca ter saído
da barriga da mãe.
Cá fora está-se bem
mas na barriga também
era divertido.

O coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer
senão ser pequena e crescer
e de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.

Manuel António Pina

Nem que fosse só por estes versos ele já tinha merecido o prémio Camões mais de vinte vezes! 

terça-feira, 10 de maio de 2011

uma mãe nunca morre


O F. continua naquela fase encantadora de paixão pela mãe. Enquanto "namoramos", diz-me coisas do tipo:
- Já casaste com o pai?
E à minha resposta afirmativa, contrapõe:
- Não! Eu é que vou casar contigo!
Mas, estar apaixonado tem o reverso da medalha.
Durante um "namoro" no sofá, conversávamos sobre qualquer coisa que já não recordo e usei, a propósito, a expressão quando eu for velhinha.
O F. enrolou-se em mim, escondendo a cabeça e começou a soluçar, num choro preso, sufocado.
Quando percebi o que estava a acontecer, tentei averiguar a causa. E entre lágrimas. o F. explicou:
- Se tu ficares velhinha morres e eu não quero que tu morras, porque se tu morres eu fico sem mãe e eu não quero, porque fico muito triste.
Que fazer? Contra este tipo de angústias só conheço um antídoto: o humor. E foi o que usei:
- Eu? Velhinha? Não! Eu nunca vou ser velhinha, nem girafa, nem hipopótamo, nem elefante...
Chegados ao elefante, o F. já estava a rir.
Isto não significa que a angústia não esteja latente (em ambos, aqui  entre nós), ficou foi bastante apaziguada.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

como ser um explorador do mundo


Foi com um pé de partida nos três cantos que o três manos têm viajado por um mundo de música por descobrir. Primeiro, cada um dos protagonistas dos Cantos: o Sérgio, o Zé Mário (por quem, como Gambozinos, têm um carinho muito especial, sobretudo o A., que o conheceu pessoalmente no lançamento do Com quatro pedras na mão) e ainda o Fausto.
E, depois, como as canções são como as cerejas, vieram os Deolinda e a Adriana Calcanhoto, porque agora os discos e dvd's cá de casa saltaram todos para fora dos armários e andam espalhados pelo chão.
E cantam, e dançam, e decoram letras, e comentam, e acompanham com baterias improvisadas e guitarras electricamente invisíveis e... quase não querem ir para a escola porque lhes interrompe a sessão musical das sete da manhã!
É bom ter filhos assim, com quem se cantam as nossas canções.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

três cantos


O V. é o irmão do meio e, como tal, já fora presenteado com o cd do Sérgio. O A. passou-o todo para o seu MP3, que partilha com os irmãos. O F. já canta O coro das Velhas e o Galo é o Dono dos Ovos. O V. canta tudo e o A. cantarola Isto anda tudo Ligado, a toda a hora.
Ontem estivemos os quatro a ver/ouvir o "Três Cantos" que passou já tarde no canal 1, no dia 25, e que gravei numa velhinha VHS.
Os manos gostaram tanto do concerto que já combinámos que aquela cassete vai ter direito a etiqueta porque "fica para a vida"!
Para a vida ficara-me as canções do Ségio, do Zé Mário e do Fausto, que as tenho todas ainda na cabeça, naquela memória surpreendente que desperta com os primeiros acordes.
Para a vida, creio, vão ficar-lhes três cantos de canções e um entusiasmo enorme pela música que se faz no nosso país.
Assim, a história das nossas vidas fica ainda mais entrelaçada, com o FMI e os sons da revolução e da esperança a cruzarem-se de novo no meu (nosso) caminho, agora percorrido com mais três pares de pés.
Nós éramos da idade deles, assim mais coisa menos coisa, quando se ouviu a Grândola na rádio.
Eu acredito que a liberdade está a passar por aqui, de qualquer maneira!

sábado, 23 de abril de 2011

brinca comigo




O objectivo é promover a recolha de brinquedos com que as crianças já não brincam e doá-los a instituições de solidariedade social.
A ideia era não pôr a ênfase nas crianças que não têm brinquedos, mas nos brinquedos que já não têm crianças que brinquem com eles. Daí o nome da campanha.
Pediram-me para fazer um cartaz, mas como tem chovido muito fiz três.
Talvez sejam o início de uma nova fase de produção gráfica em que não tenho trabalhado nos últimos tempos e de que começo a ter saudades, de vez em quando.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

o erro como metáfora


Depois de uma reunião da escolinha em que uma mãe revelou que a filha dizia pico encostado em vez de pico emprestado, demonstrando uma capacidade metafórica de que nem todos os escritores (deveria dizer escrevedores, mais propriamente) são capazes, uma vez que os picos emprestados ficam, de facto, encostados ao cartão para onde deveriam ter saltado não tivesse alguma coisa corrido menos bem durante aquela semana.
Depois de a S. ter dado um saquinho de sementes de cores ao F., que ele comeu umas atrás das outras resistindo convictamente aos pedidos suplicantes dos irmãos de "Por favor, dá-me uma amêndoa, só uma, por favor!"
Depois de um novo filme de Miyzaki em que uma bruxa esformou um menino em porco e a transformação, tanto quanto pude perceber do que vi do filme foi definitiva.
Depois de pensar muito sobre a escola, o erro, os meus filhos, a vida em geral... Acho que vou inventar a pedagogia do erro. O erro ao poder como forma subversiva e criativa de esformar a escola num sítio mais encostado a nós, onde se lancem à terra sementes de cores para que o mundo se transforme num sítio mais colorido, perfumado e agradável para vivermos.
Além de tudo, como eu própria vou começar (ou já comecei) a dar erros ortográficos nada melhor que instigar o erro nos outros!
Viva o erro! O erro ao poder! Viva a subversão!

sábado, 9 de abril de 2011

o mundo que eu gostava que existisse


O Zé Mário Branco escreveu a letra para uma canção que a Suzana Ralha musicou e O Bando dos Gambozinos canta, cujo refrão é:

Entre o vago e o profundo
Entre a dor e a malandrice
O Porto é sinal de um mundo
Que eu gostava que existisse

Os Gambozinos são o sinal da escola que eu gostava que existisse.
Ontem, O V. estava com dores de barriga na aula de história. Durante a aula de filosofia esteve deitado no banco. Porque nos Gambozinos pode aprender-se filosofia deitado num banco e com dores de barriga. Só que o V. adormeceu. E acordou quando caiu do banco abaixo. O Rui só lhe disse para ir dormir para "os segredos" (uns cantinhos de sotão onde as crianças brincam, descansam e têm aulas, também). E o V. foi. E dormiu. E quando o fui buscar já não tinha dores de barriga, nem sono. Mas tinha uma experiência de aula inesquecível!
De tal maneira que já hoje estivemos a conversar sobre o episódio da banheira de Arquimedes e de como o V. podia ter descoberto qualquer coisa interessantíssima ao cair do banco, não estivesse seco e a dormir numa aula de filosofia!

terça-feira, 5 de abril de 2011

bochecho


Desde o terrível dia em que levámos de férias um dos três coelhos dos Gambozinos e, por uma desatenção tão estúpida como fatal, a minha mãe o encontrou a boiar, pela manhã, na água azul do tanque transformado em piscina.
Desde que o Peter passou a ser o coelho que ia substituir (porque ao contrário das pessoas os animais são substituíveis, dizia-me há dias a C., que teve vários cães e sabe do que fala) o Pinha (que por ventura era o Pinhão, mas isso não é importante).
Desde que o Peter, porque era muito pequenino e exigia muitos cuidados e conquistou o coração do A., primeiro, e depois o de todos nós cá em casa, ficou connosco até ter idade para ir para a escolinha, onde é muito mais feliz que aqui em casa, porque tem muitos meninos a pegarem-lhe ao colo e a mimá-lo.
Desde esses dias, nunca mais se comeu coelho cá em casa. Fui eu quem pediu. E o C. cumpriu.
Hoje fez um jantar delicioso, daqueles à Jamie Oliver, cheio de legumes deliciosos.
Os meninos perguntaram o que era.
- Bochecho - respondeu o pai.
- O que é? Nunca comemos... - as perguntas foram sucessivas e repetidas a três vozes.
- Bochecho... é uma espécie de... borrego...
- Anho... - ajudei eu.
Ao jantar lambemos todos os dedos.
O pai pergunta sempre vinte vezes se está bom, quando cozinha, e por vinte vezes respondemos todos (excepto o F. que ou por intuição ou por embirração resolveu comer só arroz e cenoura!):
- Está óptimo!
E o pai:
- É tão bom como borrego?
- Tão bom?! Muito melhor! - respondeu o A.
E foi mesmo bom termos comido bochecho!
Afinal a vida dos omnívoros é mesmo assim, não é?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

a Cagoa


No sábado, graças a uma preciosa amiga, trouxe para casa a caixa de um iMac de 27 polegadas, cujo destino era, fatalmente, o ecoponto.
Escusado será dizer que o F. passou o fim-de-semana dentro e fora da caixa e fez dela tudo o que a sua imaginação pôde inventar.
Mas o momento alto foi ontem ao fim da tarde quando se meteu com o V. dentro da caixa para irem os dois para a Cagoa.
Ir para a Cagoa significa simplesmente enfiarem-se os dois dentro da caixa e fazerem-na tombar até ficarem os dois deitados, à gargalhada, no chão, meios dentro meios fora.
Hoje, quando chegou a casa, depois de um bom lanche e dois livros, o F. perguntou-me muito naturalmente:
- Podemos brincar à Cagoa?
E lá estiveram os dois a brincar à Cagoa!