Das histórias nascem histórias

Das histórias nascem histórias
um poema visual de Fernanda Fragateiro

sábado, 9 de outubro de 2010

o cavalo

O A. e o V. sabem e gostam de mitologia. Ontem, deitaram-se os dois à meia-noite (o V. enfiado na cama do A.!) para poderem ver até ao fim um filme que o meu irmão lhes deu: Troy.
Acho que o facto de tratarem Aquiles por tu lhes vai ser útil, de qualquer forma, no futuro.
Os bons livros ilustrados que se vão fazendo por aí foram, muito antes dos filmes, os responsáveis pela paixão dos dois pelos deuses.

domingo, 3 de outubro de 2010

leves fardos são estes

A convite da própria Mafalda (a do desenho) fomos ontem ao CLP.
Para todos, foi uma experiência única, aquele Génesis dito pelo Luís Carvalho.
Acho que depois de ontem, a teoria do Big Bang nunca mais vai convencer-nos!

O GÉNESIS


Jeová por alcunha - o Padre Eterno,
Deus muitíssimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Pôs-se a esgravatar co’o dedo no nariz,
Tirou desse nariz o que o nariz encerra,
Deitou isso depois cá baixo, e fez-se a Terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapéu.
Pô-lo em cima da Terra, e zás, formou o céu.
Mas o chapéu azul do Padre Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis aí porque o Céu ficou todo estrelado.
Depois o Criador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
Mundo sarrafaçal, globo de fancaria,
Que nem um aprendiz de Deus assinaria,
E furioso escarrou no mundo sublunar,
E a saliva ao cair na Terra fez o mar.
Depois, para que a igreja arranjasse entre os povos
Com bulas da cruzada, alguns cruzados novos,
E Tartufo pudesse inda dessa maneira
Jejuar, sem comer de carne à sexta-feira,
Jeová fez então para a crença devota
A enguia, o bacalhau e a pescada-marmota.
Em seguida meteu a mão pelo socavo,
Mais profundo e maior que a caverna de Caco,
E arrancando de lá parasitas estranhos,
De toda a qualidade e todos os tamanhos,
Lançou-os sobre a Terra, e deste modo insonte
Fez ele o megatério e fez o mastodonte.
Depois, para provar em suma quanto pode
Um Criador, tirou dois pêlos do bigode,
Cortou-os em milhões e milhões de bocados,
(Obra em que ele estragou quatrocentos machados)
Dispersou-os no globo, e foi desta maneira
Que nasceu o carvalho, o plátano e a palmeira.
Por fim com barro vil, assombro da olaria!,
O que é que imaginais que o Criador faria?
Um pote? não; um bicho, um bípede com rabo,
A que uns chamam Adão e outros Simão. Ao cabo
O pobre Criador sentindo-se já fraco,
(Coitado, tinha feito o universo e um macaco
Em seis dias!) pensou: Deixemo-nos de asneiras,
Trago já uma dor horrível nas cadeiras,
Fastio... Isto dá cabo até de uma pessoa...
Nada, toca a dormir uma sonata boa!-
Descalçou-se, tirou os óc’los e o chinó,
Pitadeou com delícia alguns trovões em pó,
Abriu, para cair num sono repentino,
O alfarrábio chamado o livro do Destino,
E enflanelando bem a carcaça caduca,
com o barrete azul-celeste até à nuca,
Fez ortodoxamente o seu sinal da cruz
Como qualquer de nós, tossiu, soprou à luz,
E de pança pró ar, num repoiso bendito,
Espojou-se, estirou-se ao longo do infinito
Num imenso enxergão de névoa e luz doirada.
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.

                                                Guerra Junqueiro