Das histórias nascem histórias

Das histórias nascem histórias
um poema visual de Fernanda Fragateiro

quinta-feira, 5 de julho de 2012

sujar os pés


Cá em casa, parece que não há dois sem um!
O A. e V. saíram para umas pequenas férias com os avós e ao F. juntou-se o seu amigo P.
E nunca ficam duas camas vazias!
De manhã. Saímos com tempo. Porque uma mãe nunca se esquece que se pode esquecer de alguma coisa e há que ter tempo de voltar a subir para repescar o que ficou esquecido.
Foi o caso. A casa ainda está morna, mas lá fora está fresco e os casacos ficaram esquecidos.
Na preparação para a segunda descida, o P. pede para sujar os pés.
Sujar os pés quer dizer, entre nós, descalçarem-se e descerem as escadas e, de preferência, andarem um pouco pela garagem para que os pés fiquem bem negros.
Às oito e quarenta da manhã, atiraram crocs e sandálias pelo vão das escadas, desceram escadas a correr entre gargalhadas vibrantes e antes de sair a porta voltaram a calçar-se.
O que ganhámos com isso, além de uma boa disposição contagiante?
Primeiro, com cinco anos os dois amigos calçaram-se e descalçaram-se sozinhos mais do que seria suposto.
Segundo, fizeram lançamentos, o que é um treino fundamental para a vida.
Terceiro, desceram escadas a correr, sem cair.
Quarto, partilharam comigo a cumplicidade de fazer coisas que os adultos geralmente não os deixam fazer.
Quinto, mostraram ao mundo que não há razão para não fazermos da vida uma permanente diversão.
Ah, hoje ainda é dia de praia e o mar encarregar-se-á de lhes lavar os pés.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

a terceira alternativa



A ideia pesquei-a num sábio velhinho americano.
Ando a digeri-la há uns dias e ontem aproveitei a oportunidade e pus em prática.
Foi assim:
- Mãe, eu queria levar um boneco e uns carrinhos para a hora do eremita, mas não posso.
- Eu acho que podes...
- As professoras não deixam. Não sabes que não se pode levar nada para a praia?
- Mas se levares no bolso dos calções não deve haver problema... também trazes pedras da praia, não é?
- Ó mãe, até parece que tens cinco anos!!! Não se pode, não sabes? As pedras também não se pode.
- Ok. Mas tu trazes pedras, por isso também consegues levar bonecos...
- Não posso, mãe!
(já estava quase à beira das lágrimas)
- Olha, F. (terceira alternativa em ação) eu acho que podes. Há sempre uma maneira de conseguir as coisas.
Metemos o boneco e os carrinhos num saquinho de pano e eu guardei-o na minha carteira. O F. continuava descrente.
- Não vais conseguir...
- Claro que vou!
- Se eu puser no bolso dos calções depois esqueço-me e blá, blá, blá.... (mentalidade da escassez!)
- Vais ver...
Entretanto, a conversa mudou.
Quando chegámos à escolinha o F. não estava com vontade nenhuma de me deixar, por várias razões.
Aproveitei a conversa com a S. (a professora com quem tem agora uma relação privilegiada) e meti-lhe o saquinho de pano na grande bolsa de praia.
- O que é isto?
- Depois vê!
Pisquei o olho ao F. e depois de muitos abraços deixei-o bem entregue.
À tarde estavamos felizes! Ele porque tinha brincado muito com o boneco e os carrinhos e eu...
Porque já sei como se faz para seguir o caminho da terceira alternativa!

domingo, 1 de julho de 2012

pintar, porque sim



Fim da tarde. Começo a preparar o jantar e o F. pede-me para pintar.
O lado adulto de mãe projectada no futuro manda logo dizer que não.
Não porque vou precisar da mesa.
Não porque não se mistura comida com tinta.
Não porque vais sujar tudo e a ti também e eu já tenho tão pouca vontade de arrumar a cozinha!
Mas o lado adulto de mãe que vive o presente diz que sim.
Sim porque pintar é bom.
Sim porque a vontade de nos exprimirmos não deve ser reprimida por necessidades menores (como comer).
Sim, porque é tão bom sujar tudo e depois lavar tudo.
Sim, porque não há nenhuma razão verdadeiramente razoável para não pintar agora.
Sim, porque as cores do açafrão, do pimentão doce e do chocolate em pó são fabulosas!